O livro da lei – Aleister Crowley.
Apresento aqui, em suma, as considerações feitas em O livro da Lei de Aleister Crowley. Há algumas passagens que tratam de rituais e adoração que optei por não comentar, que está ligado de certa forma com as citações aqui postas. Pretendo fazer uma investigação sobre o conteúdo ético e político do livro. Deixo por ora, de lado a analise do conteúdo esotérico da obra, até porque não julgo ser apto para fazê-lo. Mas o material está disponível em vários lugares para quem se interessar pelo tema.
Aconselho a tomar conhecimento do conteúdo da obra referida antes de analisar minhas observações. Apesar de que estes recortes, não comprometem julgo eu, a compreensão geral do meu texto. O livro, quem leu o saberá, contém falas místicas, sendo complicada a separação do conteúdo aqui analisado e a parte descartada.
Aleister Crowley é considerado por alguns estudiosos um bruxo. Ou ainda um projeto mal sucedido de um bruxo. É tido por um dos precursores da sociedade alternativa no mundo. Influenciou muita gente, por incrível que pareça. Na música, por exemplo, temos alguns artistas dizendo coisas a seu respeito ou recitando seus chavões.
Inglês, nascido em 1875 se auto-intitulava A grande Besta 666. Aliás, ele parece gostar muito de números, demonstra isto no seu livro. É fortemente influenciado pela mitologia egípcia.
Livro I
“A palavra da Lei THELEMA”;
“Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei”;
“A palavra de Pecado é Restrição”;
“[...] tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade”;
“Faze aquilo, e nenhum outro dirá não”;
“Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, livre da ânsia de resultado, é toda via perfeita”;
“O Perfeito e o Perfeito são um Perfeito e não dois; não, são nenhum”;
“Nada é uma chave secreta desta Lei”;
“Também, tomai vossa fartura e vontade de amor como quiserdes, quando, onde e com quem quiserdes! Mas sempre para Me”;
“Invocai-me sob minhas estrelas! Amor é a lei, amor sob vontade. Nem confundam os tolos o amor; pois existem amor e amor. Existe o pombo, e existe a serpente”;
Uma organização política montada em cima da pura e íntima vontade seria a sociedade alternativa. Ora, é inevitável perguntar: Seria viável confiar na vontade humana para servir de lei única à uma sociedade?
Os atos morais e imorais são de fato apenas conceitos estabelecidos por alguns para se estender a todos? Em outras palavras: não há verdadeira moral, pois esta não passaria de uma forma inventada pelo homem para restringir as ações e vontades humanas? Isto é algo que vem sido discutido desde Sócrates/ Platão e os sofistas. Segundo o pensamento apresentado por Crowley as respostas a essas perguntas são sim e sim, pois não há outra lei, moral ou não, se não à vontade.
Vontade, segundo Schopenhauer (inspirador inegável de Freud) é um ímpeto irracional e inconsciente. Desprovido, portanto, de maldade ou bondade, visto que a vontade não possui intenção. Quer-se alguma coisa por que simplesmente se quer, e não porque é algo bom ou ruim. Mas exercer essa vontade pode ser maléfico ou benéfico, se admitirmos a existência de uma moral. Caso não exista uma moral, pode se exercer com excelência a vontade, visto que ela por si mesma não é boa nem má. É o que Crowley sugere.
Mesmo partindo do pressuposto de que a vontade é um ímpeto cego, é necessário admitir certa moralidade. Pois se minha vontade é, por exemplo, a de eliminar um adversário e faço isso matando-o, privarei este indivíduo da vida, logo, de exercer sua vontade. Estaria fazendo algo além do meu único direito de realizar minha vontade, ou seja, privar alguém de viver sob a vontade. Ora, se restrição é o pecado, comete-se uma falta exercendo esta pura vontade de tirar a vida de alguém. A vontade, portanto, não é a única lei. Existe uma moral subentendida. Minha vontade pode impossibilitar a alheia, e assim há necessariamente restrição. Posso exercer portanto, minha vontade desde que não restrinja a de ninguém, e para isso preciso de restrições nas minhas ações, preciso de leis morais, ao contrário do que supõe o autor.
Outro ponto curioso é a sexta frase citada: por acaso existe vontade provida de propósito? E existe vontade que não anseie ser realizada, ainda mais sabendo que posso realizá-la? Como vimos vontade não tem propósito, visto que é um ímpeto cego e faz parte de sua propriedade querer ser realizada. Porque é justamente o que a vontade faz: querer!
Ainda nesta frase: a perfeição una estaria dentro do homem, pois a vontade é dele, justificando a frase: Não existe Deus se não o homem. O conceito de Deus (perfeição e unicidade) estaria dentro de cada um e seria o mesmo para todos. É possível o perfeito estar dentro imperfeito, sem torná-lo perfeito? É possível o imperfeito limitar o perfeito? (Essa limitação seria a não realização da vontade pura.) Bom, os gregos antigos acreditavam no Logos (ordem) e no Caos (desordem) que formariam e regeriam todo o universo. O logos estaria dentro de tudo, até dentro do caos. Mas nem por isso o caos deixaria de ser caos. Porém este caos se dá através de certa ordem. É a única possibilidade de admitir o perfeito dentro do homem, o imperfeito. A imperfeição do homem obedeceria certa razão, e não haveria necessidade de fazer a perfeição vir a tona, realizando plenamente a vontade, visto que age-se com perfeição agindo com imperfeição. A não ser se considerarmos que a perfeição e imperfeição também seja uma relação estabelecida pelo homem tal como supomos ser a moral, para que fosse possível a compreensão do pensamento do autor. Assim sendo, viver exercendo a vontade seria igual viver a restringi-la, os dois modos de vida estariam no mesmo nível. Há de se dizer, todavia: Já que tanto faz uma forma de viver como a outra, que seja a primeira, pelo menos fazemos o que queremos. Assim cairíamos no primeiro problema apresentado nos parágrafos acima: é impossível viver sob a vontade individual sem restrições. Vontade coletiva tampouco: ela já vem com restrições. Ou seja: você nunca vai conseguir fazer o que quer se os outros também poderem.
Livro II
“Vede! Os rituais do velho tempo são negros. Que os ruins
sejam jogados fora; que os bons sejam purgados pelo profeta! Então
este Conhecimento irá corretamente”;
“Lembrai-vos todos vós de que existência é pura alegria; de
que todos os sofrimentos são apenas como sombras; eles passam
e estão acabados; mas existe aquilo que resta”;
“Nós nada temos com o incapaz e o expulso: deixai-os
morrer em sua miséria. Pois eles não sentem. Compaixão é o vício
dos reis: calcai aos pés os desgraçados e os fracos: esta é a lei do
forte: esta é a nossa lei e a alegria do mundo”;
“Existe um grande perigo em Me; pois quem não compreende
estas runas fará uma grande falha. Ele cairá dentro do mundéu
chamado Porque, e lá ele perecerá com os cães da Razão”;
“Agora uma maldição sobre Porquê e seus parentes!”;
“Se a Vontade pára e grita Por Que, invocando Porquê,
então a Vontade pára e nada faz”;
“Se o Poder pergunta Por Que, então o Poder é fraqueza”;
“A Razão também é uma mentira; pois existe um fator infinito
e desconhecido; e todas as suas palavras são meandros”;
“Portanto os reis da terra serão Reis para sempre: os
escravos servirão. Nenhum existe que será derrubado ou elevado: tudo é sempre como foi”;
A primeira citação nos diz que Crowley acredita que existem coisas boas e coisas ruins. Coisas que prestam e coisas que não prestam. E que há um bem, um melhor que deve ser buscado. (Isto não ficou muito claro nas considerações anteriores.) Mas é seguro dizer isso? Quer dizer, Crowley está dizendo isto nessa passagem? Evidentemente não. Mas mesmo assim é seguro afirmar, pois, apesar dele não dizer isto, ele tem que acreditar nisso para dizer que existem rituais bons e maus, no caso.
Para não parecer que escrevo só para maldizer o senhor Crowley, e para que ele não venha me perturbar a noite, digo: a segunda citação me parece interessante. Apesar de que, um dos filósofos que mais admiro diz o contrário.
Se existisse uma sociedade montada em cima dessas afirmações citadas, o seu pensamento não seria praticável para todos. Haveria escravos, os chamados incapazes e expulsos que evidentemente não satisfariam suas vontades. Com isso Crowley afirma: não somos todos iguais e a vontade enquanto único direito é praticável somente a uma aparente aristocracia. Muitos filósofos compartilham de certa forma este pensamento. Mas é importante dizer: não será um sistema político que zele pela liberdade de todos os indivíduos (o curioso é que, é justamente a liberdade que adeptos da sociedade alternativa defendem. É aquela história de que cada homem e cada mulher seria uma estrela, cada um giraria em torno de si, a vontade própria e livre seria tudo o que precisaríamos, embora tenhamos que interagir). Quais são os fracos? E os fortes? Os escravos continuarão servindo, mas quem são os escravos? E os reis, o que lhes dão o direito de o serem, visto que o único direito é o de exercer sua vontade? A sua vontade? E a vontade alheia como fica?
A razão, ao que parece nas passagens, seria de certa forma incompatível com a ação. Mais precisamente incompatível com a realização da vontade. Isto está bem claro na sétima passagem. É um pensamento bem apropriado, sem dúvida. É nisto que consiste a noção de vontade pura, do primeiro livro: vontade sem intermédio da razão. A partir do momento em que se questiona a vontade, reflete-se sobre ela, ela deixa de ser tão somente vontade.
Agora, a razão é uma mentira? Este tema é digno de uma contraposição entre Dostoievski e Nietzsche, que ficará para um próximo texto. Por ora, a razão de fato deixa um vasto desconhecido e uma enorme incerteza no universo. Mas isso não a põe no papel de mentirosa. Pelo menos num julgamento primário. Existem várias outras coisas que ela responde e que podem ser fatores confiáveis (a princípio). E algo que não pode ser condenado é a sua capacidade de inquietar o homem, com suas dúvidas. Isto é inerente ao homem: questionar, pensar. Condenar isto é negar a condição humana. Não querer que o homem pergunte o porquê das coisas, é querer um robô e não um ser humano. Isto parece fazer parte das estratégias de algumas seitas e religiões: deixar as pessoas na ignorância, proibindo-as de pensar. É justamente o que Crowley parece defender nestas passagens. “Seja o Porquê amaldiçoado para sempre!”, diz ele. Com estas falas o autor reconhece, a meu ver, a fragilidade de seus argumentos. Só argumentos fracos carecem deste tipo de coerção.
Isto de certa forma se assemelha às observações curiosas feitas por ele no final do livro. Ei-las: “O estudo deste Livro é proibido. É sábio destruir esta cópia após a primeira leitura. Quem não presta atenção a isto incorre em perigo e risco pessoais. Estes são dos mais pavorosos. Aqueles que discutem o conteúdo deste Livro devem ser evitados por todos, como focos de pestilência. Todas as questões da Lei devem ser decididas apenas por apelo aos meus escritos, cada qual por si mesmo”. Espero não estar cometendo nenhum sacrilégio escrevendo este texto.
Livro III
“Escolhei uma ilha!”;
“Fortificai-a!”;
“Cercai-a de engenharia de guerra!”;
“Eu vos darei uma máquina de guerra”;
“Com ela vós golpeareis os povos; e nenhum ficará de pé diante de vós”;
“Espreitai! Retirai-vos! Sobre eles! Esta é a Lei da Batalha de Conquista: assim será meu culto em volta de minha casa secreta”;
“Toma a estrela de revelação mesma; coloca-a em teu templo secreto - e aquele templo já está corretamente disposto - e ela será vossa Kiblah para sempre. Ela não desbotará, mas cor miraculosa voltará a ela dia após dia. Fechai-a em vidro trancado como uma prova para o mundo.”;
“Esta será vossa única prova. Eu proíbo argumento”;
“Conquistai! Isso basta. Eu farei fácil para vós a obstrução da casa mal-ordenada na Cidade Vitoriosa. Tu a transportarás tu mesmo com veneração, ó profeta, se bem que tu não gostas. Tu terás perigo e tribulação. Ra-Hoor-Khu está contigo. Adorai-me com fogo e sangue; adorai-me com espadas e com lanças. Que a mulher seja cingida com uma espada diante de Me; que sangue corra em meu nome. Calcai aos pés os Gentios; sede sobre eles, ó guerreiro, Eu vos darei da carne deles para comer!”;
“Sacrificai gado, pequeno e grande: depois uma criança”;
“Mas não agora”;
“Vós vereis aquela hora, ó Besta abençoada, e tu a Concubina Escarlate do desejo dele!”;
“Vós ficareis tristes por isto”;
“Maldição sobre eles! Maldição sobre eles! Maldição sobre eles!”;
“Com minha cabeça de Falcão Eu bico os olhos de Jesus enquanto ele se dependura da cruz”;
“Eu ruflo minhas asas na fase de Mohammed e cego-o”;
“Com minhas garras Eu dilacero e puxo fora a carne do Hindu e do Budista, Mongol e Din”;
“ Bahlasti! Ompheda! Eu cuspo nos vossos credos Crapulosos”;
“Que Maria inviolada seja despedaçada sobre rodas: por causa dela que todas as mulheres castas sejam completamente desprezadas entre vós!”;
“Não existe lei além de Faze o que tu queres”;
No terceiro livro e último a ser analisado na nossa investigação, não encontrei um conteúdo para mantermos a linha de pensamento que tivemos nos dois primeiros. Há, com efeito, a possibilidade de eu não ter entendido o sentido místico da obra como o senhor Crowley diz. “O tolo lê este Livro da Lei, e seu comento; e ele não o Compreende”. Esta parte da obra é com certeza a que possui mais conteúdos esotéricos. Aliás, isto é uma característica do autor: sempre estudou assuntos esotéricos, foi parte de sociedades secretas e foi expulso de todas elas, pois diria que o conhecimento deve ser estendido a todos, pois era algo livre. Quanto a isto digo que, o conhecimento pode ser estendido a qualquer um, mas não a qualquer momento. Assim como não se ensina álgebra para bebês, não se deve passar certo conhecimento a uma pessoa que não tenha maturidade (mental) para entendê-lo.
Voltando ao livro, temos a presença da guerra. Quem seria o povo adversário a essa sociedade? Todos que contrariarem essas considerações, suponho. Seria necessária, sem dúvida, uma preparação da sociedade para aderir às idéias colocadas. Que preparação? A morte de bilhões e o nascimento de outras que adorassem estas divindades e sua lei. A guerra, na antiguidade era uma das mais legítimas atividades econômicas de algumas sociedades. Era guerreando que se conquistava território, riquezas e escravos. Esta guerra almejaria a conquista de algumas destas coisas? É provável que não. Que fique dito: não dá para se ter uma clara idéia de quem é o povo que os escolhidos da divindade (é uma divindade que está falando, através de um mensageiro que Crowley incorpora como se fosse ele próprio) irão guerrear, estou fazendo apenas suposições. Mas então, que seja. Isto seria sustentável? É bem provável que estes indivíduos fossem esmagados pelos seus adversários. A não ser que este livro e suas informações secretas incompreensíveis a mim, dêem algum poder a seus adeptos. Veja o que estamos discutindo! Para encerrar digo: é impossível liberdade total a todos e, seria a guerra neste tipo de organização política algo legítimo? Só se fosse a vontade de todos os escolhidos realiza-la. E deveria ser feita de forma livre, sem condições pré-definidas.
O curioso disto tudo é: se a lei única é a vontade pura do indivíduo, para que se impõem tarefas, métodos de rituais, entre outras coisas? O indivíduo não teria que o querer espontaneamente? Restrição não é o pecado? Os rituais me pareceram bem delimitados. A liberdade é tão restrita na sociedade montada em cima destes valores quanto qualquer outra. Há regras, métodos a serem seguidos, pré-definições, proibição de questionamentos. A vontade não é a única lei.
Por fim, podemos observar algumas citações que podem ser interpretadas como insultos por algum cristão. Crowley, mostra com isso a sua intenção de se desprender dos valores cristãos. Embora isso seja muito difícil a um cidadão ocidental. Mas basta, sobre isto em específico não digo mais uma palavra. Que os valores de cada um façam suas conclusões sobre estas passagens.